Hoje, me peguei pensando em Batalha, não tem jeito do dia 4 de agosto para o dia 5 de agosto não tenho sono, quando o encontro após noturna busca, e colo as pestanas, meus olhos parecem vislumbrar imagens do passado, ouço o Mestre Quintas tocando a valsa Nossa Senhora de Lourdes, em homenagem a nossa co-padroeira, desperto sem dormir como o de costume, e já é dia 5 de agosto, novamente é o dia do levante do mastro, de novo é festejo!
Terminei de ler por estes dias a Poesia completa de Fernando Pessoa, o grande poeta português, e um poema “sino da minha aldeia”, me encantou, porque nele o poeta diz o que eu sinto nestas madrugas de 4 para 5 de agosto, nestes 18 anos que não participo da abertura dos festejos de agosto. Vejam que iluminação teve o poeta, ao dizer com fineza de alma, o que se passa no coração saudoso de sua aldeia, e minha aldeia é Batalha.
Ó sino da minha aldeia dolente na tarde calma, a da tua badalada soa dentro de minha alma e é tão lento o teu soar tão como triste da vida que já a primeira pancada tem o som de repetida. Por mais que me tanjas perto quando passo sempre errante és para mim como um sonho. Soas-me na alma distante a cada pancada tua vibrante no céu aberto sinto mais longe o passado sinto a saudade mais perto (Sino da minha aldeia, poema de Fernando Pessoa, “Cancioneiro”).
E o tempo passa e com ele nós passamos, no poema acima o tempo encontra-se fragmentado, já que o passado não existe mais e o poeta não foi capaz de aproveitar esse tempo (não foi capaz de sentir e ser feliz). Assim sendo, surgiu em mim a nostalgia da infância que está cada vez mais próxima, enquanto o passado deixa de ser sentido.
É verdade que nossos ouvidos lutam e relutam em não aceitar os novos sinos, estes últimos postos com sacrifício no alto da torre da matriz, não são os de nossa infância, e ouvido tem memória.
Nossas festas batalhenses têm algo de transcendental. É no transcendente que o homem se conforta e encontra razões para seguir em frente. O transcendente manifesta-se numa pluralidade de formas e de figuras que são a origem dos sentimentos e da vida sacra.
De onde emerge este desejo obstinado de regressar às raízes? Será um desejo inconsciente de tentar inutilmente recuperar o tempo da mítica infância?
Há tempos, li em algum lugar, um poeta dizer que as nossas raízes não residem na terra, mas no tempo.
De fato, quando regresso aos tempos dos festejos de agosto, percorre-me a alegria de um tempo redescoberto. Mas, em abono da verdade, nem a terra nem eu somos os mesmos. Contudo, apesar desta dolorosa realidade, não há desencontros. O reencontro é cada vez mais desejado e poético. As memórias avivam-se neste desejo obstinado de voltar a onde não se pode, senão pela memória. Ah! O tal espaço mítico e verdadeiro da infância… As memórias, autenticamente fiéis, os decênios transcorridos, os sonhos do regresso fenecidos e o tempo-algoz a dirimir impiedoso os dias sobrantes.
As pessoas idosas dos festejos da minha infância já se escapuliram; os caminhos que abrigavam pobres barracas estão abarrotados de coisas sem sentido.
Agosto me lembra o velho alpendre da matriz, salpicado de gente pisando sobre os túmulos de mármores, com uma lista de nossos antepassados, recordação de ilustre e glorioso passado português de nossa Batalha com a sua brancura já carcomido de histórias, onde tantos namoricos se abrigaram. Tudo feneceu. Hoje aquelas pedras de mármores repousam junto à capela do Santíssimo Sacramento, servindo de piso à capela do Senhor da História, Cristo Jesus!
Na minha alma vive um povo, o ressoar de um sotaque tão autêntico e íntimo (tal o ato de respirar), um sotaque adocicado, melódico e meloso, sem arestas.
Sou um pedaço desmembrado de Batalha. Para estes padecimentos da alma, há só a cura do regresso.
Passa o trem, passa a boiada, mas a saudade não passa, boia no coração, volátil. Daí o arrancar do ouvido a memória, desenterrar símbolos, cavucar histórias e ressuscitar palavras, que têm canto e plumagem.
Para nós, batalhenses, agosto é o agosto das rezas na ponta da língua, dos terços “puxados”, por dona Anaíde, dos andores belamente enfeitados pelas senhoras do apostolado da oração, agosto das novenas cantadas por dona Assunção no alto do coro, agosto do Zé Conrado dependurado no alto da torre, agarrado ao sino chamando para as novenas, agosto das leitoas assadas por dona Glória, do seu Zé Cosmo, dos doces de dona Maria do Santo postos no leilão… Agosto dos dobrados dos Mestres Fabiano, Pantim e Quincas, agosto dos cajus apressados, sinal de inverno bom, agosto das viagens no “Zuca Lopes”, longas horas de Teresina à Batalha em pé no ônibus velho, para não perder a “derradeira novena”, agosto das economias ralas dos meninos pobres, como eu, que economizavam para pagar a “cota” para entrar no clube Mangueira, para dançar ao som do “Luiz Pereira”, com seu afamado “Explosão do Som”, que o amigo Valdecir não perde nem por decreto…
Ah! agosto que nos dá tanto gosto em Batalha! Agosto de procissões luminosas, de povo religioso a andar atrás do andor da Virgem de Lourdes, dos leilões fartos debaixo da palhoça pobre com brechas no teto salpicando de estrelas o chão batido, agosto dos sinos plangentes, agosto dos “negros do outro lado”, chegando a comboios da capital para os festejos, agosto das calçadas cheias de cadeiras, a jogar papo fora, agosto que salpica de gente a calçada da dona “Bola”, agosto dos negros do estreito descendo a ladeira do Exu com suas trochas na cabeça para varar a noite adentro dançando no “Tibunga”, agosto de amor a Mãe de Jesus, em que a nossa cidade dedica 11 dos 31 dias do mês, para reverenciar aquela que trouxe o Cristo ao mundo.
Enfim agosto do festejo de Nossa Senhora de Lourdes.
Ó Maria, Nossa Senhora de Lourdes, teus filhos batalhenses são peregrinos, que caminham sem parar, a poeira da estrada está colada em seus corpos. O suor da caminhada embebe as suas roupas, ajuda-os a sacudir a poeira dos pés e dai-lhes forças para continuar caminhando, ajuda os presentes e os ausentes de tua festa a serem felizes.
Bom festejo a todos!
Pe. Leonardo de Sales.
Terminei de ler por estes dias a Poesia completa de Fernando Pessoa, o grande poeta português, e um poema “sino da minha aldeia”, me encantou, porque nele o poeta diz o que eu sinto nestas madrugas de 4 para 5 de agosto, nestes 18 anos que não participo da abertura dos festejos de agosto. Vejam que iluminação teve o poeta, ao dizer com fineza de alma, o que se passa no coração saudoso de sua aldeia, e minha aldeia é Batalha.
Ó sino da minha aldeia dolente na tarde calma, a da tua badalada soa dentro de minha alma e é tão lento o teu soar tão como triste da vida que já a primeira pancada tem o som de repetida. Por mais que me tanjas perto quando passo sempre errante és para mim como um sonho. Soas-me na alma distante a cada pancada tua vibrante no céu aberto sinto mais longe o passado sinto a saudade mais perto (Sino da minha aldeia, poema de Fernando Pessoa, “Cancioneiro”).
E o tempo passa e com ele nós passamos, no poema acima o tempo encontra-se fragmentado, já que o passado não existe mais e o poeta não foi capaz de aproveitar esse tempo (não foi capaz de sentir e ser feliz). Assim sendo, surgiu em mim a nostalgia da infância que está cada vez mais próxima, enquanto o passado deixa de ser sentido.
É verdade que nossos ouvidos lutam e relutam em não aceitar os novos sinos, estes últimos postos com sacrifício no alto da torre da matriz, não são os de nossa infância, e ouvido tem memória.
Nossas festas batalhenses têm algo de transcendental. É no transcendente que o homem se conforta e encontra razões para seguir em frente. O transcendente manifesta-se numa pluralidade de formas e de figuras que são a origem dos sentimentos e da vida sacra.
De onde emerge este desejo obstinado de regressar às raízes? Será um desejo inconsciente de tentar inutilmente recuperar o tempo da mítica infância?
Há tempos, li em algum lugar, um poeta dizer que as nossas raízes não residem na terra, mas no tempo.
De fato, quando regresso aos tempos dos festejos de agosto, percorre-me a alegria de um tempo redescoberto. Mas, em abono da verdade, nem a terra nem eu somos os mesmos. Contudo, apesar desta dolorosa realidade, não há desencontros. O reencontro é cada vez mais desejado e poético. As memórias avivam-se neste desejo obstinado de voltar a onde não se pode, senão pela memória. Ah! O tal espaço mítico e verdadeiro da infância… As memórias, autenticamente fiéis, os decênios transcorridos, os sonhos do regresso fenecidos e o tempo-algoz a dirimir impiedoso os dias sobrantes.
As pessoas idosas dos festejos da minha infância já se escapuliram; os caminhos que abrigavam pobres barracas estão abarrotados de coisas sem sentido.
Agosto me lembra o velho alpendre da matriz, salpicado de gente pisando sobre os túmulos de mármores, com uma lista de nossos antepassados, recordação de ilustre e glorioso passado português de nossa Batalha com a sua brancura já carcomido de histórias, onde tantos namoricos se abrigaram. Tudo feneceu. Hoje aquelas pedras de mármores repousam junto à capela do Santíssimo Sacramento, servindo de piso à capela do Senhor da História, Cristo Jesus!
Na minha alma vive um povo, o ressoar de um sotaque tão autêntico e íntimo (tal o ato de respirar), um sotaque adocicado, melódico e meloso, sem arestas.
Sou um pedaço desmembrado de Batalha. Para estes padecimentos da alma, há só a cura do regresso.
Passa o trem, passa a boiada, mas a saudade não passa, boia no coração, volátil. Daí o arrancar do ouvido a memória, desenterrar símbolos, cavucar histórias e ressuscitar palavras, que têm canto e plumagem.
Para nós, batalhenses, agosto é o agosto das rezas na ponta da língua, dos terços “puxados”, por dona Anaíde, dos andores belamente enfeitados pelas senhoras do apostolado da oração, agosto das novenas cantadas por dona Assunção no alto do coro, agosto do Zé Conrado dependurado no alto da torre, agarrado ao sino chamando para as novenas, agosto das leitoas assadas por dona Glória, do seu Zé Cosmo, dos doces de dona Maria do Santo postos no leilão… Agosto dos dobrados dos Mestres Fabiano, Pantim e Quincas, agosto dos cajus apressados, sinal de inverno bom, agosto das viagens no “Zuca Lopes”, longas horas de Teresina à Batalha em pé no ônibus velho, para não perder a “derradeira novena”, agosto das economias ralas dos meninos pobres, como eu, que economizavam para pagar a “cota” para entrar no clube Mangueira, para dançar ao som do “Luiz Pereira”, com seu afamado “Explosão do Som”, que o amigo Valdecir não perde nem por decreto…
Ah! agosto que nos dá tanto gosto em Batalha! Agosto de procissões luminosas, de povo religioso a andar atrás do andor da Virgem de Lourdes, dos leilões fartos debaixo da palhoça pobre com brechas no teto salpicando de estrelas o chão batido, agosto dos sinos plangentes, agosto dos “negros do outro lado”, chegando a comboios da capital para os festejos, agosto das calçadas cheias de cadeiras, a jogar papo fora, agosto que salpica de gente a calçada da dona “Bola”, agosto dos negros do estreito descendo a ladeira do Exu com suas trochas na cabeça para varar a noite adentro dançando no “Tibunga”, agosto de amor a Mãe de Jesus, em que a nossa cidade dedica 11 dos 31 dias do mês, para reverenciar aquela que trouxe o Cristo ao mundo.
Enfim agosto do festejo de Nossa Senhora de Lourdes.
Ó Maria, Nossa Senhora de Lourdes, teus filhos batalhenses são peregrinos, que caminham sem parar, a poeira da estrada está colada em seus corpos. O suor da caminhada embebe as suas roupas, ajuda-os a sacudir a poeira dos pés e dai-lhes forças para continuar caminhando, ajuda os presentes e os ausentes de tua festa a serem felizes.
Bom festejo a todos!
Pe. Leonardo de Sales.