14 de março de 1870.
Hoje, enquanto tomávamos o café da manhã, meu pai leu o jornal em silêncio, como de costume. O som das páginas sendo viradas era a única coisa que quebrava a quietude da mesa, além do tilintar das xícaras. Minha mãe, com sua postura impecável, observava cada movimento meu, como se quisesse decifrar algo que eu escondia.
– O Sr. Augusto Siqueira virá almoçar conosco no próximo domingo – disse ela, com a autoridade de quem já havia decidido meu destino. – Bartolomeu estará presente, é claro.
Minha garganta secou, mas forcei um sorriso e assenti. Não havia espaço para contestar.
Depois da refeição, fui para o jardim, buscando um momento de paz. Meu refúgio era o balanço pendurado na grande figueira, onde eu costumava sonhar com histórias que nunca viveria. Mas agora, meus sonhos tinham um nome: Joaquim.
Os dias na escola se tornaram uma espera ansiosa pelos momentos em que nossos olhares se cruzavam ou quando, com rapidez e ousadia, ele deixava bilhetes escondidos nos meus livros. As palavras dele eram simples, mas carregadas de uma sinceridade que eu nunca havia conhecido.
Naquela tarde, ao abrir meu caderno de história, encontrei mais um:
Hoje, na beira do riacho. Preciso te ver. – J.
O receio misturava-se à excitação. Joaquim e eu estávamos caminhando numa linha perigosa. O controle que meus pais exerciam sobre minha vida não era apenas uma questão de autoridade; era um sistema bem estruturado, onde qualquer desvio poderia significar desastre.
Esperei o sol começar a descer no céu antes de sair. Caminhei pelo campo com passos rápidos, o coração batendo tão forte que parecia ecoar em meus ouvidos. O riacho ficava escondido atrás de uma fileira de árvores altas, longe da vista curiosa de qualquer um.
Quando cheguei, lá estava ele, sentado em uma pedra, com os pés tocando a água corrente. Ao me ver, levantou-se imediatamente, um sorriso iluminando seu rosto.
– Pensei que tivesse mudado de ideia – disse ele, aproximando-se.
– Não deveria estar aqui – respondi, mas minhas palavras não tinham peso.
Ele sorriu, e aquele sorriso desarmou todas as minhas dúvidas. Sentamos lado a lado, e Joaquim começou a falar sobre seus planos. Ele queria ser mais do que um lavrador. Sonhava em aprender um ofício, talvez carpintaria ou algo relacionado ao comércio.
– Você é diferente, Catarina – disse ele, com os olhos fixos nos meus. – Não apenas pelo que é, mas pelo que acredita que pode ser.
Tentei disfarçar o rubor que subiu ao meu rosto, mas ele percebeu e riu, quebrando a tensão.
Conversamos por mais de uma hora, mas o tempo parecia voar. Quando o sol começou a se esconder atrás das montanhas, ele se inclinou para mais perto.
– Catarina, não sei como, mas vou encontrar uma maneira de ficarmos juntos. Não importa o que aconteça.
Por um instante, pensei em todas as consequências que aquilo poderia trazer, mas, antes que pudesse responder, ouvimos vozes ao longe. Joaquim ficou tenso.
– É melhor você ir. Não quero que se meta em problemas por minha causa.
Corri de volta para casa, sentindo uma mistura de euforia e medo. Quando entrei, minha mãe estava à porta, com os braços cruzados.
– Onde esteve, Catarina? – perguntou ela, com um olhar inquisitivo.
– No jardim – menti, evitando seus olhos.
Ela não pareceu convencida, mas não insistiu. Subi para o meu quarto e fechei a porta, meu coração ainda disparado. Sentei-me à escrivaninha e abri o diário. As palavras fluíram como um rio:
Hoje, Joaquim prometeu encontrar uma forma. Não sei se ele conseguirá, mas pela primeira vez, sinto que há algo além das grades invisíveis que me cercam. Ele acredita em nós, e talvez, só talvez, eu também possa acreditar.
Enquanto escrevia, uma batida suave na janela me fez sobressaltar. Ao abri-la, encontrei um pequeno pedaço de papel preso a uma pedra. Era a letra de Joaquim:
Não desista de mim. Nunca. – J.
Sorri, guardando o bilhete entre as páginas do diário. Por mais que o mundo parecesse contra nós, naquele momento, senti que poderíamos enfrentá-lo juntos.
Continua...