19 de março de 1870.
As noites têm sido insones, e minha mente, um campo de batalha. A proposta de Joaquim ressoa em minha cabeça como um eco interminável: fugir. Fugir do controle, dos olhos vigilantes de meus pais, e, mais ainda, de Bartolomeu. Mas com a mesma intensidade, o medo me invade. Fugir significaria abandonar tudo o que conheço, arriscar tudo pelo amor que floresceu entre nós dois.
Hoje pela manhã, minha mãe me chamou até a sala, com aquele tom que sempre significa ordens disfarçadas de convites.
– Bartolomeu virá nos visitar à tarde – anunciou, enquanto ajustava os arranjos de flores sobre a mesa. – Quero que esteja presente e mostre o quanto é grata pela atenção que ele dedica a você.
Grata? Por uma atenção que eu nunca desejei? Forcei um sorriso e murmurei algo que soou como um "sim, senhora".
Enquanto minha mãe continuava a dar instruções aos empregados, corri para o quarto e peguei meu diário. Escrevê-lo se tornou mais do que um hábito; é a única maneira de não me perder no caos de emoções que sinto.
Como alguém pode decidir o futuro de outro como se fosse apenas uma transação comercial? Bartolomeu pode ter dinheiro e influência, mas nunca terá o meu coração.
À tarde, vesti um dos meus melhores vestidos e desci. Bartolomeu chegou com a pompa de sempre, acompanhado por um pequeno presente – uma caixa de madeira entalhada contendo um broche de ouro.
– Espero que goste, Catarina – disse ele, com aquele sorriso que sempre pareceu mais arrogância do que gentileza.
– É lindo, obrigada – respondi, sem emoção.
Durante toda a conversa, ele falou sobre negócios, propriedades e, claro, o quão sortudo se considerava por ter minha "atenção". Mal sabia ele que minha mente estava longe, no riacho, no armazém, em cada momento que compartilhei com Joaquim.
À noite, escrevi novamente em meu diário, mas desta vez, não consegui conter as lágrimas. A ideia de um futuro com Bartolomeu me sufocava, mas a realidade de fugir também me assustava profundamente.
Foi então que ouvi o som familiar de uma pedra batendo na janela. Corri para abri-la e encontrei Joaquim do lado de fora, escondido entre as sombras.
– Catarina – sussurrou ele –, preciso falar com você.
Coloquei um xale sobre os ombros e desci em silêncio, evitando os degraus que rangiam. Quando saí, ele estava ali, esperando, com os olhos brilhando sob a luz da lua.
– O que aconteceu? – perguntei, aproximando-me.
– Bartolomeu esteve na vila hoje – começou ele, com a voz carregada de tensão. – Ele estava falando sobre você... dizendo que o casamento está praticamente certo.
Meu coração apertou. A notícia, mesmo não sendo surpresa, era como um golpe.
– Catarina, não temos mais tempo – continuou ele, segurando minhas mãos. – Eles vão te prender nessa vida, nesse destino que você não escolheu.
– E o que faremos? – perguntei, minha voz mal saindo.
Joaquim tirou um pequeno papel do bolso. Era um mapa rudimentar, desenhado à mão, mostrando o caminho até uma cidade maior, onde ninguém nos conheceria.
– Tenho economizado o pouco que consigo. Não é muito, mas é o suficiente para começarmos. Podemos partir em duas semanas.
Duas semanas. Era um prazo curto, mas também parecia ser a eternidade de que eu precisava para organizar minha coragem.
– Você confia em mim? – perguntou ele, os olhos fixos nos meus.
Respirei fundo.
– Confio.
– Então, vamos fazer isso. Mas precisamos ser cuidadosos. Qualquer erro, e tudo estará perdido.
Naquele momento, sob a luz pálida da lua, senti algo que nunca havia experimentado antes: esperança. Não era uma certeza absoluta, mas um vislumbre do que poderia ser.
Quando voltei ao meu quarto, sentei-me à escrivaninha e abri o diário.
Hoje, tomei a decisão mais difícil da minha vida. Joaquim está certo, não podemos esperar mais. O tempo está contra nós, mas o amor, talvez, seja o que nos salvará.
Fechei o diário e o guardei com cuidado. Não sabia o que os dias seguintes trariam, mas uma coisa era certa: estava disposta a lutar por nossa liberdade, mesmo que isso significasse enfrentar tudo e todos.
Continua...