21 de março de 1870.
A cada dia que passa, sinto que o mundo à minha volta está prestes a desmoronar. Joaquim e eu seguimos com nosso plano em segredo, mas o medo de sermos descobertos é uma sombra que não nos abandona. Ainda assim, é também o que me dá forças.
Hoje, meu pai me chamou ao escritório, um cômodo da casa que sempre me intimidou. As paredes forradas de livros, o cheiro de madeira encerada e a figura imponente de meu pai sentado atrás da mesa formavam um cenário que parecia tirado de um julgamento.
– Catarina, sente-se – disse ele, sem olhar para mim.
Obedeci, mantendo a cabeça erguida, mas o coração batendo rápido.
– Como sabe, Bartolomeu tem demonstrado grande interesse em nosso acordo. Ele é um bom homem, de uma família respeitável, e a união entre nossas famílias será benéfica para todos.
A palavra acordo me causou náuseas. Eu não era uma mercadoria, mas era exatamente assim que meu pai me tratava naquele momento.
– Sei disso, senhor – respondi, tentando esconder minha indignação.
Ele finalmente ergueu os olhos e me encarou, como se esperasse algo mais.
– Quero que esteja preparada para um anúncio formal em breve – continuou ele. – A festa da colheita será na próxima semana, e pensei que seria o momento ideal para oficializar o noivado.
Aquelas palavras caíram sobre mim como um trovão. Oficializar? Noivado? Tudo estava acontecendo rápido demais.
– Pai, eu... – comecei, mas ele ergueu a mão, silenciando-me.
– Catarina, sei que pode estar nervosa. É normal para uma jovem. Mas confio que fará o que é melhor para nossa família.
Ele voltou a olhar para os papéis à sua frente, dando a conversa por encerrada. Saí do escritório sentindo um nó na garganta e corri para o meu quarto.
Naquela noite, encontrei Joaquim no armazém, como combinado. Contei a ele sobre a conversa com meu pai, e o rosto dele endureceu.
– Eles estão nos apertando, Catarina – disse ele, andando de um lado para o outro. – Não podemos esperar até o fim das duas semanas.
– Mas não estamos prontos ainda – argumentei. – Não temos tudo o que precisamos.
– Se não agirmos agora, eles vão te prender nesse casamento. E não vou permitir isso.
Houve um silêncio tenso entre nós. Eu sabia que ele estava certo, mas o medo ainda me prendia.
– E quanto a Bartolomeu? – perguntei. – Ele não vai desistir facilmente.
Joaquim me encarou com um olhar determinado.
– Então, teremos que ser mais espertos do que ele.
Foi quando ele tirou do bolso um pequeno pedaço de pergaminho, dobrado várias vezes.
– Isso chegou hoje. É uma carta de meu primo, que vive na cidade onde planejamos ir. Ele diz que pode nos ajudar a encontrar trabalho e um lugar para ficar.
Olhei para a carta, sentindo uma mistura de alívio e ansiedade. A ideia de uma rede de apoio nos esperando tornava o plano mais real, mas também mais arriscado.
– Precisamos acelerar o plano – disse ele. – Amanhã à noite.
A rapidez do novo prazo me deixou sem palavras, mas Joaquim segurou minhas mãos, sua voz mais suave agora.
– Confie em mim, Catarina. Vamos conseguir.
Assenti, embora minha mente estivesse tomada por dúvidas.
Quando voltei para casa, a mansão estava em silêncio. Todos já haviam se recolhido. Fui até o meu quarto, mas ao passar pela porta entreaberta da sala de visitas, ouvi vozes.
Era Bartolomeu e meus pais, conversando em tom baixo. A curiosidade me venceu, e fiquei escondida atrás da porta.
– Quero que tudo esteja perfeitamente alinhado – dizia Bartolomeu. – Catarina será uma esposa exemplar, disso não tenho dúvidas.
Meu pai riu, mas foi minha mãe quem respondeu.
– Não se preocupe, Bartolomeu. Ela é jovem, mas aprenderá seus deveres rapidamente.
A bile subiu à minha garganta. Eles falavam de mim como se eu fosse um objeto a ser treinado e usado.
– E quanto ao garoto? – perguntou Bartolomeu, sua voz endurecendo.
Meu coração parou. Eles sabiam?
– Joaquim não será um problema – respondeu meu pai com frieza. – Já tomamos providências para que ele não atrapalhe.
Meu sangue gelou. O que eles poderiam estar planejando? Fiquei ali, paralisada, enquanto o mundo ao meu redor parecia desabar.
Quando finalmente consegui me mover, voltei ao quarto e escrevi no meu diário, as mãos trêmulas.
Eles sabem. De alguma forma, eles sabem. Amanhã à noite será nossa única chance. Se não agirmos, estaremos perdidos.
Fechei o diário e o escondi sob o colchão. O medo era esmagador, mas uma pequena chama de esperança ainda queimava dentro de mim. Joaquim e eu tínhamos que vencer. A liberdade estava tão perto, mas o perigo parecia mais próximo ainda.
Continua...