Quando um filhote morre, o que acontece com a mãe? Para muitas espécies animais, especialmente entre os mamíferos, a perda de uma cria não passa despercebida. Um caso recente observado no Brasil trouxe novas pistas sobre como os animais reagem diante da morte de seus próprios filhotes — e levanta questões importantes sobre emoções, apego e comportamento social no mundo animal.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) registraram pela primeira vez uma mãe macaco-prego-do-peito-amarelo (Sapajus xanthosternos) carregando o corpo de seu filhote morto por várias horas na natureza. A espécie é endêmica da Mata Atlântica e está ameaçada de extinção. O registro foi feito pela psicóloga Irene Delval, que inicialmente estudava a personalidade dos primatas.
Embora o tempo de carregamento tenha sido curto, o caso chamou atenção por outro motivo: o filhote pode ter sido morto por outros macacos do grupo, o que caracteriza um possível infanticídio. O comportamento da mãe diante da perda oferece uma rara oportunidade de observar como esses animais percebem e reagem à morte.

Luto ou instinto?
Macacos, orcas, elefantes, chimpanzés e até peixes-boi já foram vistos carregando seus filhotes mortos. Em alguns casos, as mães permanecem dias ou semanas com os corpos. Mas isso é luto?
Na ciência, o termo “luto” é usado com cautela para não projetar emoções humanas em outras espécies. Ainda assim, os comportamentos observados indicam algo mais profundo do que simples instinto.
“Talvez seja um protoluto, porque a mãe já percebe que o filhote não vai reagir, mas mantém o contato por conta do vínculo”, explica Irene Delval. Carregar o corpo pode até prejudicar a alimentação e dificultar a locomoção da mãe, mas mesmo assim, ela resiste em deixá-lo para trás.
O que já se sabe
Segundo o primatologista André Gonçalves, da Universidade de Kyoto (Japão), a ciência tem acumulado evidências de que os primatas não humanos sofrem com a perda de indivíduos próximos. Já foram observadas mudanças de comportamento como apatia, isolamento social, perda de apetite e aumento do estresse — sintomas parecidos com o luto humano.
Além de carregar o corpo, mães e outros membros do grupo também já foram vistos tocando, sacudindo, observando ou até cuidando dos cadáveres por horas ou dias. Esses comportamentos têm sido registrados tanto na natureza quanto em cativeiro.
Cautela científica
A análise desses comportamentos exige cuidado. Os pesquisadores evitam conclusões apressadas para não incorrer em antropomorfismo — ou seja, atribuir sentimentos humanos a animais que funcionam de forma diferente. Mas também alertam para o risco oposto: a antroponegação, que ignora o fato de que humanos também são animais e compartilham raízes evolutivas com outros mamíferos.
“O vínculo entre mãe e cria é tão forte que não desaparece imediatamente com a morte”, diz Gonçalves. “Ficar com o corpo pode ser uma forma de lidar com o sofrimento.”
Uma nova área da ciência
Esse campo de estudo se chama tanatologia de primatas, voltado à investigação do comportamento dos animais diante da morte. Ainda é uma área recente, mas que tem ganhado importância por lançar luz sobre a evolução do cuidado, da empatia e até das origens do luto.
Para espécies como os primatas, que têm baixas taxas reprodutivas e investem muito tempo na criação dos filhotes, manter um vínculo forte pode ter sido vantajoso ao longo da evolução. Mesmo que, diante da morte, esse vínculo se transforme em dor.
*Texto baseado em reportagem original de Luiza Caires para o Jornal da USP. (veja aqui)