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Histórias de Catarina: Capítulo 3 – Linhas e limites

16 de março de 1870.

A cada dia que passa, sinto como se estivesse vivendo duas vidas. Durante as horas em casa, sou a Catarina que meus pais moldaram: educada, submissa e pronta para cumprir as expectativas impostas a mim. Mas nos momentos que compartilho com Joaquim, ainda que breves e roubados, sou alguém que estou começando a descobrir: uma jovem que deseja escolher seu próprio caminho.

Hoje, durante a aula de matemática, Joaquim e eu trocamos olhares rápidos. Ele estava sentado algumas fileiras atrás de mim, mas sua presença parecia preencher a sala inteira. Quando o professor virou-se para escrever no quadro, um pequeno pedaço de papel caiu no meu caderno:

Encontro no armazém abandonado, ao pôr do sol. Preciso falar com você. – J.

Meu coração saltou no peito. O armazém ficava na estrada principal que levava à vila, mas há anos estava vazio. Era um lugar seguro para conversarmos, longe dos olhos vigilantes de qualquer curioso.

O dia passou em um borrão. A voz do professor, os cochichos dos colegas, tudo parecia distante. Minha mente estava no bilhete e no que Joaquim poderia querer me dizer.

Quando o sino anunciou o fim das aulas, voltei para casa o mais rápido possível, inventando uma desculpa para não ajudar minha mãe com os preparativos do jantar. O relógio parecia se arrastar até que, finalmente, o sol começou a se esconder no horizonte.

Saí pela porta dos fundos, o coração acelerado. O armazém era escuro e cheirava a madeira envelhecida e poeira. A luz que entrava pelas frestas nas paredes criava padrões no chão, como se o espaço inteiro estivesse coberto de linhas entrelaçadas.

Joaquim já estava lá, esperando. Ele parecia mais sério do que de costume, os ombros tensos, como se carregasse um peso invisível.

– O que houve? – perguntei, aproximando-me.

Ele hesitou por um instante antes de responder.

– Meu pai recebeu uma proposta de trabalho em uma fazenda a várias léguas daqui. Se ele aceitar, teremos que nos mudar.

As palavras dele caíram como pedras sobre meu peito. A ideia de perder Joaquim, de não tê-lo mais por perto, era insuportável.

– Não pode ir – sussurrei, a voz trêmula.

– Eu não quero ir – ele respondeu, segurando minhas mãos. – Mas meu pai está decidido. Ele diz que é uma oportunidade que não podemos recusar.

Ficamos em silêncio por um momento, as palavras presas em nossas gargantas. Então, Joaquim quebrou o silêncio.

– Catarina, eu tenho pensado em algo. Não sei se é loucura, mas talvez seja a única saída.

– O que é?

Ele respirou fundo antes de continuar.

– Fugirmos juntos.

A proposta dele fez meu mundo girar. Fugir. Abandonar tudo o que eu conhecia, minha família, minha casa… Mas ao mesmo tempo, parecia ser a única maneira de escapar do destino que meus pais haviam traçado para mim.

– É arriscado – respondi, a voz mal saindo.

– Eu sei – ele disse, apertando minhas mãos. – Mas vale o risco, Catarina. Se ficarmos, eles vão nos separar.

Meus pensamentos estavam em turbilhão. O medo e a esperança se misturavam, criando uma tempestade dentro de mim. Antes que pudesse responder, ouvimos passos do lado de fora.

Joaquim instintivamente me puxou para trás de uma pilha de caixas. Espiamos pela fresta e vimos Bartolomeu entrando no armazém, seguido por dois rapazes que pareciam ser seus empregados.

– Vasculhem tudo – ordenou Bartolomeu, com sua voz fria e calculada. – Tenho certeza de que vi alguém entrando aqui.

Meu coração disparou. Se eles nos encontrassem, seria o fim. Joaquim me fez um sinal para ficar quieta, enquanto segurava minha mão com firmeza.

Os homens começaram a revistar o local, suas vozes ecoando pelo espaço vazio. Cada passo que se aproximava parecia um golpe em meu peito. Fechei os olhos, rezando para que passassem direto.

Depois de alguns minutos, que pareceram horas, Bartolomeu e seus homens desistiram.

– Devem ter saído por outra porta – disse ele, irritado. – Vamos.

Quando o silêncio finalmente voltou, Joaquim e eu trocamos um olhar. Não era apenas o medo que nos unia naquele momento, mas a certeza de que nosso amor estava se tornando mais perigoso a cada dia.

– Precisamos ser cuidadosos – disse ele, a voz firme. – Mas não podemos desistir.

Assenti, sentindo um misto de pavor e determinação. Aquela noite, enquanto escrevia em meu diário, as palavras de Joaquim ecoaram na minha mente: Não podemos desistir.

E eu sabia que, por mais difíceis que fossem os dias à frente, eu faria de tudo para lutar por nós dois.

Continua…

Capítulo 2 | Capítulo 4

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