O grupo nasceu em 2021 pelas mãos e pela sensibilidade de Larissa Alencar, servidora pública que carrega no olhar o compromisso com o social e a capacidade rara de enxergar potência onde muitos só veem carência. Ao longo dos anos, Larissa testemunhou inúmeras mulheres em situação de vulnerabilidade participando de cursos, oficinas e capacitações. Mas, terminado o curso, elas voltavam para casa com o aprendizado guardado — e sem um espaço para colocar em prática aquilo que sabiam fazer. Foi dessa inquietação que surgiu a ideia: criar um grupo que desse visibilidade, voz e oportunidade para essas mulheres.
“Eu via muitas fazendo crochê, bordado, artesanato em casa, mas só os vizinhos sabiam. A ideia era fazer com que esses talentos deixassem de ser invisíveis. Que o artesanato deixasse de ser apenas uma ocupação informal para virar fonte de renda, de autonomia e de orgulho”, conta Larissa.
O nome escolhido, Mulheres que Batalham, não poderia ser mais certeiro: representa tanto o município quanto a luta diária dessas mulheres — que criam com as mãos, sustentam com coragem e resistem com sabedoria.
O grupo começou acolhendo quem já tinha alguma habilidade, mas com o tempo passou também a capacitar e impulsionar novas artesãs. Com o apoio do Sebrae, dezenas de mulheres participaram de cursos de precificação, gestão financeira, empreendedorismo, identidade visual e qualidade de produto. Muitas tiraram suas carteiras de artesãs e passaram a participar de feiras, eventos e exposições. A princípio, a feira era mensal, com estrutura financiada por emenda parlamentar. Hoje, elas têm um espaço fixo no Mercado do Produtor, onde expõem todos os sábados — além de participarem de eventos em Teresina, Piripiri, Lagoa de São Francisco e outras cidades da região.

Atualmente, o grupo conta com mais de 70 mulheres inscritas, sendo cerca de 30 participando ativamente. São batalhenses da zona urbana e rural, de comunidades como Frexeiras, Cedro e Bela Vista. E o que elas produzem? De tudo um pouco: crochê, tapeçaria, bolsas de palha de carnaúba, lembranças criativas, bordados, doces artesanais, paçoca no pilão, arranjos em EVA, peças com fibra de bananeira ou palha de milho. Cada uma com seu tempo, seu saber, sua história. A produção acontece principalmente em casa, mas quando as encomendas aumentam, elas se reúnem, dividem tarefas, colaboram entre si. “Mais do que um grupo de vendas, somos uma rede de apoio. Nosso desafio é vencer juntas. Criar um sentimento de time, de parceria, e não de competição”, diz Larissa, emocionada.

Ela resume o que o projeto representa: “É equilíbrio, transformação, qualidade de vida. É um estímulo, um exemplo. Esse grupo é identidade batalhense. É orgulho”. E pede sempre que as etiquetas levem o nome do município: Produto artesanal de Batalha – Piauí. Porque mais do que artesanato, o que essas mulheres produzem é uma forma de pertencimento — e isso, sim, precisa ser visto, valorizado e contado.

Capacitar, valorizar e transformar
Por trás de cada artesã do grupo Mulheres que Batalham há também uma rede de apoio que fortalece, capacita e orienta — e um desses parceiros é o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), por meio da Sala do Empreendedor de Batalha. De acordo com Hellen Falcão, agente de desenvolvimento, o grupo conta com acompanhamento direto e frequente: “Praticamente todos os meses há cursos e capacitações gratuitos ofertados pelo Sebrae para essas mulheres.”

A atuação da instituição vai além da técnica: promove encontros, reconhece talentos e aposta na valorização do trabalho feito por mulheres empreendedoras do interior. “O impacto desse tipo de projeto é forte, tanto na economia do município quanto na mudança na qualidade de vida dessas mulheres”, afirma Hellen.
O Sebrae também conta com programas e premiações voltadas especificamente para o empreendedorismo feminino, reconhecendo e estimulando esse protagonismo que muitas vezes nasce dentro de casa, mas alcança feiras, eventos e novos mercados. “Promovemos e apoiamos iniciativas que podem dar visibilidade estadual e até nacional ao grupo”, explica.
O apoio institucional, quando aliado à vontade de fazer acontecer, pode ser o empurrão necessário para que talentos locais virem fonte de renda, orgulho e impacto real. E é exatamente isso que o Sebrae tem ajudado a construir ao lado das mulheres que batalham — com elas e por elas.
O grupo Mulheres que Batalham é formado por dezenas de mulheres de diferentes comunidades e bairros de Batalha. Cada uma traz seu talento, sua história e sua maneira única de empreender — com linhas, palhas, papéis, panelas ou ideias. Nesta reportagem, ouvimos algumas dessas protagonistas: Irene, Ivoneide, Ingrid, Nonata, Maria Ivone, Maria Dita e Rosária. Elas não representam o grupo inteiro, mas ajudam a contar o que ele tem de mais bonito e potente: a diversidade, a força coletiva e o brilho individual de cada mulher que, todos os dias, transforma o que sabe fazer em renda, identidade e resistência.
A seguir, conheça algumas dessas histórias que mostram que batalhar, para elas, é também uma forma de existir com dignidade, beleza e firmeza.
Irene e a arte que vem da palha, da família e do coração
No Ponto Belo, na zona urbana de Batalha, mora Irene de Sousa — uma mulher de fala mansa e mãos firmes, que carrega no artesanato não só um ofício, mas um legado familiar e um projeto de vida. Foi depois de vir embora de São Paulo que Irene conheceu o grupo Mulheres que Batalham. Já fazia laços e costura por conta própria, mas foi ali, ao descobrir que havia um grupo de artesanato na cidade, que tudo começou a se transformar. “Como eu amo artesanato, fui atrás. Falaram que era com a Larissa, na Câmara. Ela me recebeu muito bem, fiz meu cadastro e comecei a participar”, conta.

Hoje, Irene se dedica ao artesanato com palha de carnaúba — um saber que aprendeu com a família, mas que aperfeiçoou após oficinas promovidas pelo grupo. Com o “olho da carnaúba” e os talos secos ao sol, ela produz cestos, bolsas, luminárias e tapetes.
“Minha avó, minha mãe, meu pai… todos trabalharam com palha. E eu fui aprendendo, mas só passei a trabalhar de verdade há uns três anos, quando entrei para o grupo”, lembra.
Cada peça leva um tempo. Algumas saem em duas horas. Outras, como os tapetes maiores, podem levar até quinze dias. Irene divide o tempo entre o cuidado com a mãe idosa e a produção. “Estou recebendo bastante encomenda, graças a Deus, mas meu tempo é curto. Mesmo assim, sigo, porque amo o que faço”, diz, com orgulho.
O orgulho, aliás, é sentimento recorrente. Ela se emociona ao ver suas peças viajando — de Batalha pelo Brasil a fora, para dentro de lojas e casas. “É muito gratificante ver alguém usando uma coisa que a gente fez. Dá orgulho. É da nossa terra, do nosso povo”, afirma. E completa: “Tem gente que compra porque tá na moda, mas tem gente que ama mesmo o artesanato. Isso emociona a gente”.

Mais do que um espaço de produção, o grupo Mulheres que Batalham se tornou parte da vida de Irene. “A gente virou uma família. Sempre juntas, conversando, ajudando uma à outra. Sem o grupo, a vida seria mais triste. Lá, a gente aprende, troca, se apoia”, diz. E se há um sonho que a move, é poder viver só do artesanato. Ter um ponto fixo, uma loja própria onde os produtos fiquem expostos todo dia, visíveis para quem passa. “O mercado do produtor é bom, mas não dá pra deixar as peças expostas sempre. Queria um lugar nosso, pra mostrar o que fazemos com tanto carinho”, diz.
Irene é a prova de que o artesanato vai muito além do que se vê. Ele nasce da tradição, do afeto, da coragem de seguir criando mesmo com o tempo apertado e a vida exigente. Seu trabalho com a palha de carnaúba é, ao mesmo tempo, uma herança e um futuro que ela mesma está tecendo — com paciência, firmeza e brilho nos olhos.
No Cedro, Ivoneide faz do crochê e da união um caminho de fortalecimento feminino
Ivoneide Alves da Silva mora na localidade Cedro, zona rural de Batalha, onde transforma linhas em bolsas e sonhos em movimento. Ela entrou para o grupo Mulheres que Batalham a convite da coordenadora Larissa, e aceitou de imediato — movida pela vontade de mostrar sua arte, sua força e o que era capaz de criar com as próprias mãos. Com o crochê, especialmente com bolsas artesanais, encontrou uma forma de se expressar e, mais do que isso, de enxergar possibilidades.
“Comecei a ter um despertar de que eu poderia desenvolver algo que melhoraria minha qualidade de vida emocional e financeira”, conta.

Seu envolvimento com o grupo ajudou a resgatar essa potência adormecida. E não parou por aí. Ivoneide passou a mobilizar também outras mulheres da comunidade. Durante a pandemia, quando o isolamento físico distanciou rotinas e certezas, ela ajudou a criar o grupo Riquezas do Meu Lugar, pelo WhatsApp. A proposta era simples e poderosa: incentivar outras mulheres do Cedro a desenvolverem alguma arte — qualquer que fosse — e compartilharem o que sabiam fazer. “Muitas abraçaram a ideia, se esforçaram. A gente sonhou que aquele tempo difícil iria passar e que depois mostraríamos nosso potencial para todo mundo.”

E foi exatamente isso que aconteceu. Passada a fase mais crítica da pandemia, Ivoneide e outras mulheres colocaram o plano em prática. Surgiu, assim, a Feira de Empreendedores do Cedro, que a cada ano cresce e mobiliza toda a comunidade — direta ou indiretamente. O evento não só movimenta a economia local, como também valoriza talentos, saberes e produtos criados no próprio território. “É voltada para o nosso artesanato, para o que a gente produz aqui. Ainda não abrimos para expositores de fora, porque queremos garantir estrutura e boa acomodação para quem é da casa”, explica. Mais do que uma feira, virou símbolo de resistência e orgulho.



Ivoneide reconhece que ainda há muitos desafios: a desvalorização do trabalho manual, a dificuldade de conciliar o empreendedorismo com as tarefas domésticas e outras fontes de renda, e a falta de acesso a matéria-prima de qualidade com preços justos. Mas ela também percebe as conquistas. “Com toda certeza, hoje há mais reconhecimento. Mesmo com dificuldades, estamos conquistando espaço em feiras, eventos… estamos sendo vistas”, afirma.

Ao falar sobre o futuro, Ivoneide emociona: “Meu sonho é que todas as mulheres compreendam que somos capazes de conduzir nossos projetos e viver daquilo que somos capazes de produzir. Empreender é uma arte de quem não se curva diante dos obstáculos. Para que os outros nos valorizem, é preciso primeiro que a gente acredite em nós mesmas.” E é esse espírito que move Ivoneide — o de quem cria, lidera, apoia e transforma. No crochê e na vida.
Ingrid e as lembranças que carregam identidade e afeto
Ingrid Albuquerque mora há dez anos em Batalha, no bairro Vila Kolping. Foi ali, observando de perto a força do grupo Mulheres que Batalham, que decidiu se aproximar. “Percebi que era um grupo diverso e bem acolhedor. Perguntei a uma amiga como participar e fui recebida de braços abertos”, lembra.
Há cerca de dois anos, ela passou a integrar o coletivo trazendo uma proposta diferenciada: o artesanato criativo. Ingrid produz lembrancinhas personalizadas que retratam a cidade, como chaveiros com imagens das cachoeiras de Batalha — símbolos naturais que ela mesma faz questão de fotografar. Recentemente, começou a investir também em papelaria personalizada, expandindo sua atuação e levando ainda mais identidade para cada detalhe das peças.

Seu trabalho nasceu da necessidade, mas se transformou em vocação. Por questões familiares, especialmente relacionadas à saúde, Ingrid não podia trabalhar fora. O artesanato surgiu como uma solução viável, flexível e emocionalmente significativa. “Foi o que me permitiu trabalhar quando possível, aceitando pedidos de acordo com meu tempo”, conta.
Entre os desafios, Ingrid destaca a busca pela profissionalização. “Sempre gostei de inventar, mas tratar isso como profissão foi desafiador”, afirma. Uma de suas criações favoritas são os chaveiros com imagens das cachoeiras locais — pequenos objetos carregados de afeto e pertencimento. “Com a foto certa, consigo produzir uma peça em 15 minutos”.
Para Ingrid, fazer parte do grupo é mais do que vender: é aprender, ensinar, se conectar. “É uma oportunidade. De aprendizado, de trocar conhecimento, conhecer gente nova e ajudar outras mulheres”, diz. E quando vê alguém usando ou elogiando suas criações, a sensação é de missão cumprida. “Fico satisfeita por ter dedicado meu tempo e ver que não foi em vão.”
Seu maior sonho como artesã é, como ela mesma diz, encontrar equilíbrio. Equilibrar a vida pessoal e o trabalho, em um ritmo possível, saudável e prazeroso.
“Quero usufruir das recompensas que o trabalho traz, mas sem deixar de viver”, deseja.
Ingrid é daquelas que entende que o artesanato vai além da estética — ele é também funcional, emocional e simbólico. Em cada lembrança que cria, existe um convite para olhar com carinho para a cidade e para si mesma. Um trabalho feito com o tempo que se tem, com o amor que se coloca — e isso, por si só, já é um gesto revolucionário.
Maria Ivone e o encanto que brota da palha do milho
Na comunidade Frexeiras, zona rural de Batalha, mora Maria Ivone de Sousa Silva, 46 anos. Ela é uma das integrantes mais antigas do grupo Mulheres que Batalham — participa desde o início, quando recebeu um convite para integrar a iniciativa. Mas seu envolvimento com o artesanato começou bem antes disso. “Já trabalhava com isso há muito tempo”, conta. Seu ofício, vindo da palha do milho, transforma o que é simples em beleza: bolsas, carteiras, sandálias, cestas. Peças únicas, moldadas com paciência, criatividade e história.

Maria Ivone aprendeu seu ofício por meio de cursos oferecidos pelo Sebrae — o que mostra como o incentivo técnico, quando chega, pode florescer em mãos dispostas. Hoje, mesmo sem uma feira fixa na comunidade, ela expõe suas criações na própria casa, em feiras na cidade e no Mercado do Produtor. Cada peça recebe etiqueta e preço, tudo feito com capricho e organização, de acordo com o tamanho e o tipo de produto.
As vendas acontecem por encomenda, em feiras e com clientes fiéis. Ainda assim, nem sempre é fácil. “Tem mês que vende bem, tem outro que não”, admite. A instabilidade faz parte do caminho de quem vive do trabalho artesanal, mas isso não apaga o valor que esse ofício tem em sua vida. “É muito bom, porque já é uma renda extra no complemento familiar”, diz, com a serenidade de quem aprendeu a equilibrar os altos e baixos com força e esperança.

Ser empreendedora, para Maria Ivone, mudou tudo: sua relação com a comunidade, sua autoestima, sua visão sobre o próprio talento. O artesanato, que já era presente na sua rotina, passou a ser também uma forma de reconhecimento — algo que ela leva com orgulho para dentro e para fora da comunidade.
Seu sonho é simples e poderoso: “Que a gente possa crescer mais e mais, juntas, como empreendedoras”. Essa frase resume não apenas o desejo dela, mas também o espírito do grupo que ajuda a construir: um coletivo de mulheres que batalham, criam e resistem — com as mãos, com o tempo que têm, com os materiais que encontram e, acima de tudo, com o coração.
Nonata Silva: entre fios, fé e superação
No bairro Esperança I, em Batalha, mora uma mulher que costura muito mais do que peças — costura cura, sonhos e caminhos. Nonata Silva faz crochê há 29 anos, um saber que aprendeu quando ainda era menina. Observava Toinha, uma secretária que trabalhava com sua mãe na casa paroquial da cidade. “Todos os dias eu ficava olhando, até que um dia ela resolveu me ensinar”, conta. Foi assim, com a paciência dos olhos atentos e o gesto generoso de outra mulher, que Nonata descobriu sua vocação.

Hoje, ela trabalha com moda casa e vestuário, e tem nos jogos de cozinha seu xodó criativo. Produz por encomenda, em feiras e também pelas redes sociais. Mas o crochê, para ela, nunca foi só uma fonte de renda — foi também um caminho de reencontro consigo mesma. Quando entrou para o grupo Mulheres que Batalham, estava atravessando um momento difícil, marcado por depressão e ansiedade.
“Através dos encontros e feiras, hoje estou curada, na graça de Deus”, diz com firmeza e emoção.
Participar do grupo trouxe novos ares para sua vida — não apenas pela rede de apoio entre mulheres, mas também pela possibilidade de se sentir valorizada. Um dos momentos mais marcantes foi quando recebeu sua carteirinha de artesã. “As feiras sempre são especiais, mas esse dia foi único”, lembra.


Sua maior motivação é um sonho que ela alimenta com fé e determinação: construir seu próprio ateliê, onde possa produzir com mais estrutura e autonomia. “As ideias vêm quando compro bastante material. Aí eu sento, olho e vou anotando as combinações”, diz, revelando o quanto a inspiração nasce do simples: da cor, do toque, da possibilidade.
E se alguém duvida da sua força como empreendedora, basta ouvir o que ela já fez: “O maior desafio foi fazer 20 jogos de banheiro em 30 dias. Graças a Deus, consegui.” Nonata é isso — fé que vira ação, talento que vira peça, superação que vira exemplo.
Ela batalha todos os dias com agulha, linha e coragem. E segue firme, ponto a ponto, trançando o sonho de ter seu espaço próprio, onde possa criar não só crochê, mas um futuro construído pelas próprias mãos.
Maria Dita: das mãos que trabalham a roça, brotam cestas, chapéus e sonhos
Na localidade Grossos, zona rural de Batalha, mora Maria Dita — dona de uma criatividade que floresce entre a palha de carnaúba e a atividade na roça. Ela participa do grupo Mulheres que Batalham desde o início, quando foi convidada, junto com outras artesãs da região, para formar o coletivo que hoje une saberes, força e tradição. “Já sabia um pouco, aprendi com minha mãe. Hoje trabalho com palha de carnaúba”, conta.

Seu artesanato é variado e impressionante: cestas, bolsas, chapéus, mandalas, fruteiras, bandejas e até tapetes. Cada peça carrega a leveza da palha e o peso da dedicação. Antes do grupo, ela produzia apenas para uso próprio. Hoje, seu trabalho é reconhecido, admirado e valorizado por quem vê — ainda que esse reconhecimento, nem sempre, venha de todos. “O maior desafio é ver minhas peças não serem valorizadas com o olhar de artigo”, diz, com a franqueza de quem conhece a luta diária por respeito ao que se faz com as próprias mãos.
Maria Dita não vive só do artesanato — também trabalha na roça, em uma rotina que exige esforço físico e constância. Ainda assim, encontra tempo e inspiração para criar. “Me inspiro na minha mãe. O tempo de produção depende da peça, se for mais simples ou mais elaborada”, explica. Seu saber, passado de geração em geração, hoje tem espaço para florescer — algo que ela credita ao grupo.
“Significa muita coisa pra mim. Agora o meu trabalho tem mais visibilidade.”
Quando vê alguém usando uma peça sua ou recebe um elogio sincero, a emoção é real. “É uma alegria ser reconhecida”, diz. É nessas pequenas conquistas — um sorriso, um uso, um agradecimento — que ela encontra motivação para seguir. Seu maior sonho? “Montar minha loja de artesanato.” E com a firmeza que já demonstrou ao longo da vida, não é difícil imaginar que esse sonho vai, pouco a pouco, tomando forma — como uma cesta bem trançada, com firmeza, paciência e beleza.

O grupo Mulheres que Batalham é ainda maior do que essas vozes que você leu até aqui. São dezenas de histórias espalhadas pelos bairros e comunidades de Batalha — cada uma com seu ritmo, suas dificuldades e suas vitórias. Esta reportagem é apenas um retrato parcial de tantas outras mulheres que seguem produzindo, aprendendo e resistindo. E nem todas se expressam por meio de linhas, fibras ou tecidos: há também quem empreenda com sabores, com aromas, com a tradição passada pelo fogo e pelo pilão. É o caso de Rosária.
Na cozinha de casa, Rosária prepara sabores que acolhem e conquistam. Integrante do grupo Mulheres que Batalham, ela não trabalha mais com artesanato como antes, mas segue empreendendo com seus dons: faz salgados, bolos, creme de galinha e uma paçoca no pilão que virou sucesso nos eventos em que participa. Depois de 18 anos de trabalho formal, encontrou na produção de lanches uma nova forma de seguir ativa, gerar renda e continuar fazendo parte do coletivo. Seu trabalho, embora diferente, carrega o mesmo cuidado e valor das peças artesanais: é feito com as mãos, com afeto e com a certeza de que empreender, para essas mulheres, é também pertencer. Rosária representa muitas outras que, mesmo com trajetórias diversas, compartilham da mesma força silenciosa que move o grupo: a vontade de seguir, criar, sustentar e transformar.

Empreender é verbo feminino
Se tem algo que a trajetória do grupo Mulheres que Batalham ensina, é que o empreendedorismo feminino no interior do Piauí não é exceção — é potência. Não é tendência — é resistência. E essa força vem, muitas vezes, de dentro de casa: da mulher que cozinha e borda, que cuida dos filhos e do negócio, que cria com o que tem e transforma o que sabe em renda, identidade e autonomia.

A analista do Sebrae, Valcledes Moura, conhece bem esse cenário. Para ela, o empreendedorismo feminino tem crescido porque as mulheres são empenhadas, criteriosas e determinadas. “Às vezes a gente olha para uma casa e pensa que ali tem só uma dona de casa. Mas ali também tem uma empreendedora, alguém que batalha todos os dias para o seu negócio dar certo e melhorar a renda da família”, afirma.
Valcledes destaca que as mulheres são as que mais procuram capacitação, mesmo diante da sobrecarga de responsabilidades. E é justamente aí que surgem os maiores desafios: falta de tempo, dificuldade de acesso a insumos, baixa renda nas comunidades e pouco reconhecimento ao que é feito localmente. “É por isso que o Sebrae se faz presente, apoiando até as feiras mais simples. Porque a primeira pode ser pequena, mas a segunda já é maior. E a terceira, maior ainda. Visibilidade gera crescimento”, diz.
A atuação do Sebrae é ampla, mas sensível às particularidades de gênero. Programas como o Sebrae Delas oferecem capacitações e consultorias pensadas especialmente para mulheres, com instrutoras que falam de mulher para mulher. “Existe empatia, escuta e reconhecimento. A gente percebe que apoiar um negócio feminino não é discurso, é prática. E isso tem gerado resultados concretos, com mulheres que hoje estão formalizadas, com seus CNPJs, seus direitos garantidos e sua autoestima elevada.”
O artesanato, para ela, tem um papel central: “É tradição, é cultura e é talento. Vemos mulheres que trabalham com palha de carnaúba, fibra de bananeira, aproveitando o que a natureza oferece com beleza e técnica. A alegria no rosto delas quando produzem algo com as próprias mãos é única. Vale muito a pena.”
A analista também faz um chamado importante: que cada mulher procure se capacitar, se formalizar e garantir seu espaço com segurança e dignidade. “É justo. Trabalhou, fez acontecer, contribuiu para a comunidade. Então merece se aposentar com tranquilidade, com seus direitos. E para isso, o caminho é buscar o Sebrae ou as Salas do Empreendedor. Sem atravessadores. A orientação correta muda tudo.”
O recado que fica é claro: o empreendedorismo feminino não é apenas uma alternativa de renda — é um motor de transformação econômica e social. E quando mulheres são apoiadas, elas não apenas avançam — elas puxam a comunidade com elas.
O grupo Mulheres que Batalham é, hoje, muito mais do que uma feira aos sábados ou um espaço de produção artesanal. É símbolo de resistência, de coletividade, de orgulho batalhense. Representa o resgate do respeito por saberes que vêm de longe — das mães, das avós, da roça — e que agora encontram palco, público e propósito. Representa a força de mulheres que não se acomodam, que não se calam, que buscam, aprendem, compartilham e, juntas, constroem algo maior do que elas mesmas.



Larissa Alencar, coordenadora do projeto e alma viva dessa rede, define com clareza: “Mulheres que batalham são todas aquelas que lutam para se manter mentalmente equilibradas, produzindo, contribuindo com o município, com sua renda familiar. O que queremos é que elas prosperem. Que tenham orgulho do que fazem, orgulho de serem daqui, de serem de Batalha”. E esse sentimento de pertencimento é visível em cada peça com etiqueta, em cada feira montada com esforço, em cada história de superação que brota da palha, da linha, da fibra ou do fogão.
Enquanto muitos ainda duvidavam que o grupo resistiria ao tempo, elas resistiram. E floresceram. Cresceram com dignidade, entre tropeços e conquistas, superando barreiras, formando laços que vão além dos fios. Hoje, onde uma mulher pisa com um produto do grupo, ela leva também o nome de Batalha com ela. E isso — esse orgulho silencioso, teimoso e bonito — talvez seja o maior artesanato que elas já produziram.